por Andréa Samico | @andreasamico
:: Minha mãe foi diagnosticada com Alzheimer em 2019, aos 86 anos. Explico para quem não conhece as características desta temida demência, que quando a descobrimos (através de exames), não significava que ela estava em seu início. Ela já havia se desenvolvido há algum tempo e do momento do diagnóstico em diante, já estava em sua fase moderada, que é um estágio de longa duração, com diversas subfases.**
No caso de minha mãe, comecei a notar em 2017 e, mais fortemente, em 2018, recorrentes episódios de esquecimento e dúvidas corriqueiras, conversas repetidas sobre um mesmo tema, situações que iam me dando pistas de todo tipo. Na primeira consulta com a neurologista, em 2019, mamãe já não lembrava do dia da semana, da sua própria idade e de pequenas questões do seu cotidiano.
Desde então, a vida vem criando para mim um vasto campo de oportunidades de aprendizado. Claro, que antes de entender isso, sofri bastante - e ainda sofro - durante todo o processo de lidar com as múltiplas nuances, medos e vazios escondidos numa jornada tão íntima e autodidata como essa. Somos arremessados num ambiente completamente desconhecido e desafiador e só temos uma saída: enfrentar. Passados 5 anos, sinto-me mais segura, e com ferramentas de forte apelo humano, para lidar com as necessidades desta mãe, sem sacrificar, muito para além da conta, as minhas.
A custo de múltiplas leituras, de aplicação dos conhecimentos profissionais e pessoais que eu já tinha sobre a história da minha família, de um tanto de conversas com outras pessoas (amigas) que passaram pela mesma situação, de momentos de encantamento e assombro ao mesmo tempo, de toda ajuda e suporte profissionais valiosos e - não poderia deixar de dizer - de extremo cansaço físico e emocional, eu avancei até o ponto em que me encontro agora e acho importante compartilhar isso com vocês. Para não fazê-los perder tanto tempo, organizei minhas ideias em apenas 7 lições e nelas tento mostrar o que esses cuidados com uma pessoa com demência na família, puderam ensinar à minha vida pessoal e também ao meu cotidiano profissional, porque, afinal, somos uma coisa só, mesmo tentando ser muitas.
Quem sabe essas lições podem ajudar a mais gente, não é mesmo? Vamos lá?
1 | Sobre empatia, escuta e paciência
Cuidar de alguém com Alzheimer exige uma capacidade ampliada de compreensão e respeito às limitações e necessidades de outra pessoa. No ambiente de trabalho e na vida, essa característica nos ensina a lidar com as pessoas de forma plural, pois cada indivíduo enfrenta desafios - tanto pessoais quanto profissionais - muito diferentes entre si. E todo mundo precisa de alguém com uma boa escuta. Muitas vezes, as pessoas não querem uma solução. Elas só querem saber que são ouvidas.
2 | Sobre adaptar a comunicação
A comunicação com pessoas com Alzheimer requer clareza, simplicidade e observação constante de sinais não verbais. Esse aprendizado é essencial em todas as nossas interações - sociais ou profissionais -, onde diferentes estilos de comunicação precisam ser reconhecidos e ajustados. É onde melhoramos a habilidade de adaptação da linguagem ao público e do desenvolvimento de uma comunicação que vá muito além das palavras.
3 | Sobre flexibilidade e criatividade
O cuidado diário com uma pessoa com Alzheimer exige muita flexibilidade para lidar com situações inesperadas (e elas acontecem o tempo todo) e criatividade para encontrar soluções para problemas práticos e emocionais. Estas características ainda são importantes para trabalhar a parte cognitiva e motora da pessoa com demência, desenvolvendo atividades que estimulem aquele indivíduo e reconheça assuntos sobre os quais ele queira falar. Como resultado disso, desenvolvemos a resiliência e uma capacidade impressionante de inovação frente aos desafios, se mantemos um pensamento aberto, adaptável, claro e capaz de exercer uma função voltada a algum resultado e, posso dizer sem medo de errar: todo resultado, de qualquer tamanho, deve ser valorizado.
4 | Sobre valorização do trabalho em conjunto
Cuidar de alguém com Alzheimer envolve a gestão equilibrada de uma boa rede de apoio (familiares, médicos, cuidadores). Isso destaca a importância da colaboração e da comunicação eficiente entre todos da rede e ensina a construir suportes interdependentes, que reconheçam e valorizem o papel de cada membro dentro do processo para alcançar os resultados, que, diga-se de passagem, serão bons para o conjunto.
5 | Sobre foco no presente
Conviver com uma pessoa com Alzheimer, nos ensina a valorizar o momento presente. A doença compromete a memória recente e o planejamento de futuro. Tudo que é feito em termos de atividades cognitivas, é para gerar novos estímulos e treinar um cérebro cheio de perdas a aprender algo novo ou gerar novas sinapses. Levando essa ideia para o ambiente profissional, isso incentiva o foco na execução das tarefas, a boa gestão da rotina e o aproveitamento máximo de cada etapa do processo. Isso ainda ajuda a estimular uma mentalidade de atenção plena (mindfulness), aprendizado constante e ajuda toda a rede de apoio a manter-se engajada no agora.
6 | Sobre gestão do tempo e do estresse
Conciliar os cuidados de si com o do outro é parte de um comprometimento fundamental, porque envolve a preservação de um equilíbrio emocional que garantirá o bom resultado de tudo que fizermos no dia a dia. Saber priorizar e planejar bem, reforça e incentiva habilidades de gestão do tempo, autocuidado e controle de estresse. Esse é um grande desafio para quem cuida, porque o tempo e as inúmeras tarefas nos engolem, e os amigos e familiares, quando sensibilizados, têm uma capacidade incrível de ouvir pedidos de socorro não verbalizados.
7 | Sobre a importância das relações mais humanizadas
O Alzheimer reforça a importância de tratar o outro com dignidade e respeito, independentemente das circunstâncias. No ambiente pessoal e profissional isso ganha imensa relevância e nem preciso aqui explicar muito as razões do porquê. Se importar e se comprometer com o outro, olhar para o lado, dar atenção, um pouco de tempo, isso é ser humano. Implementar práticas de liderança humanizada e políticas organizacionais centradas no bem-estar dos indivíduos que colaboram para o sucesso dos negócios, são aspectos que devem estar sempre num lugar destacado entre as ações corporativas mais importantes. Ninguém vai perder com atitudes como essas.
Espero sinceramente que este artigo ajude a reforçar a compreensão de que todos os desafios individuais que enfrentamos na vida - sejam eles de que natureza forem - sempre nos ensinam a extrair o melhor de cada situação, ainda mais quando envolvem relações humanas. Você pode escolher se desesperar, sofrer ou aprender algo com aquilo (mesmo enquanto sofre), inclusive e principalmente sobre si mesmo.
Encerro com um pedido pessoal: cuidem de suas pessoas queridas. Minha mãe tem 91 anos, o Alzheimer avança devagar graças aos muitos cuidados que dedicamos a ela, mas ele está ali, incômodo, à espreita, se fazendo presente absolutamente todos os dias. Eu ainda aprendo muito com ela, com nossas conversas, com seus medos e seus momentos de pura luz e é uma coisa curiosa: o Alzheimer vai na contramão da sociedade imediatista e - sem querer romantizar a demência - é uma borracha degenerativa que ao mesmo tempo exige que ajamos rápido e que tenhamos paciência para lidar com toda a humanidade que cada indivíduo possui. E isso, pessoas, exige que busquemos os lugares mais sabidos de nossa consciência.
Dá trabalho, mas vale cada minuto.
Se alguém precisar conversar mais sobre esse tema, estou aqui.
Vamos avançar. Com coragem.
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** Existem muitas definições para os estágios da doença. Cada autor define de uma maneira: alguns identificam como leve, moderado e grave, outros determinam, por exemplo, 7 estágios. Além de não ser médica e nem profissional desta área, não é a intenção desse artigo explorar as especificidades da doença em si, mas, se há interesse em saber mais sobre esta demência, busque as muitas leituras e informações sobre o tema disponíveis nas livrarias e nos sites especializados, como o da Associação Brasileira de Alzheimer (https://abraz.org.br/)
Andréa Samico | @andreasamico é publicitária com MBA em Marketing. À frente da Interseção descobriu nas histórias e nas expressões artísticas de todo tipo, a força dos universos criativo e da palavra. Apaixonada pela comunicação, pela escrita e pelo design, usa sua experiência para construir pontes e vive por atravessá-las.
ARTE: Andréa Samico
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